quarta-feira, 24 de julho de 2013

Pele Vermelha - Um Conto Americano- Capítulo 1

Capítulo 1

De volta à Chapada

Os retalhos de vegetação entrecortados por veiazinhas reluzentes dos mais diversos tamanhos e, mais adiante, as grandes pedras achatadas no topo, como imensos bonés antiquados, não deixavam dúvidas. Em minutos a pequena aeronave pousaria próximo à reserva da Chapada dos Guimarães com seus poucos tripulantes, entre eles dois jovens – um casal de irmãos.

Pedro Rosa, embora conheça esta geografia muito bem, pois palmilha cada centímetro dela desde que se recorda por gente, sabe que esta temporada na Chapada dos Guimarães será diferente. Não serão apenas férias no sítio do avô. Ele e a irmã, Amanda, desta vez, passarão um período mais longo por lá – os 18 meses de duração da bolsa de estudos para especialização em Paleontologia Aplicada de seus pais, os eméritos doutores Jose Heraldo Rosa e Clarice Andrade Rosa, na Universidade de Dublin, na Irlanda.

Quanto aos seus próprios estudos e os da irmã, já estava tudo acertado. Eles passariam o ano letivo numa boa escola de Cuiabá, onde dariam prosseguimento ao segundo grau sem maiores sobressaltos. Não que Pedro Rosa estivesse preocupado com isso. Embora suas notas fossem de razoáveis a boas (com alguns “excelentes” no boletim), ele considerava as lições enfadonhas. E, entre um bocejo e outro, muitas vezes em sala de aula se questionava de si para si porque o currículo escolar era tão fraquinho, tão superficial... tão chato!

“- Estamos quase chegando. Você precisa desligar seu aparelho...”. Amanda, ao mesmo tempo em que avisava o irmão, puxava o headphone dos ouvidos dele. Pedro olhou irritado, mas Amanda exibia seu sorriso mais angelical e ele acabou desistindo do palavrão que já se formava nos seus lábios.

“- Okay maninha. Vamos lá. Afinal não estamos num Boeing, mas neste aviãozinho de 24 lugares e é melhor ficarmos bem eretos para evitar solavancos”.

Os retalhos de vegetação rapidamente desapareceram e já era possível ver os telhados vermelhos entre as copas das árvores... As ruas, os postes, as pracinhas que a chuva lavava quase todos os dias, tão aprazíveis... E de repente o Aeroporto da Chapada.

A aeromoça que mal podia ficar de pé na pequena aeronave, deu as instruções de pouso e sentou-se para a aterrissagem. Em meio aos ecoturistas que visitavam a região em todas as estações do ano – estavam no Outono de 2001 – e alguns homens e mulheres com a inconfundível vestimenta dos executivos, Pedro e Amanda se sobressaíam por sua juventude evidente. Ele com 17 anos. Ela com 15.

No desembarque, com um sorriso de orelha a orelha, os aguardava o senhor Heraldo Rosa Filho, mais conhecido como professor Rosa ou, para os dois jovens, o Vovô. Os primeiros momentos foram de pura emoção, pois eles tinham afeto genuíno uns pelos outros. Depois, foi reunir malas e mochilas, jogá-las na traseira da velha Land Rover e tocar para o sítio.

Vencida a estrada asfaltada, eles tomaram o atalho coberto de cascalho e, uns 20 minutos depois, cruzavam a porteira da propriedade. À esquerda, a uns três quilômetros de distancia, Pedro vislumbrou o riacho correndo, em parte escondido pela vegetação crescida. Na clareira entre o caminho que levava à casa principal e o riacho, o professor Rosa havia plantado pequizeiros que aparentavam saúde de arbustos vigorosos. À direita da cancela, divisava-se o galinheiro, a horta, a estufa e o curral - havia apenas um garanhão e quatro fêmeas que eram montados pelo professor e seus auxiliares quando as águas vinham com força.

Lá e cá, como projéteis lançados por um gigante embriagado, lascas de granito de três, quatro, cinco e até oito metros de diâmetro, que faziam a alegria dos pássaros, lagartos e também dos homens, que se recostavam nelas para fumar um cigarro de palha. Havia também o pedregulho à beira do rio, onde todos se reuniam no crepúsculo para uma moda de viola. Não eram necessários bancos ou quaisquer outros tipos de assentos, tamanha era a quantidade de pedras que “brotavam” da vegetação. A toda a volta da região, as pedras maiores, as grandes pedras, se mantinham como sentinelas.

Na sebe que anunciava a entrada para a casa principal, Pedro teve um sobressalto, ao divisar um par de olhos redondos e castanhos que soltavam faíscas em meio ao lusco-fusco. Simultaneamente, o pio alto da maritaca ecoou pelo planalto... O grito da ave distraiu Pedro por alguns segundos. Quando olhou de novo para a borla da sebe não percebeu mais nada. O momento que parecia suspenso no tempo e no espaço esvaneceu-se com o grito de alegria de dona Regina Rosa, sua avó, que corria em direção à caminhonete, saudando os netos queridos.

Jana de Paula - Perfil

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