Capítulo 1
De volta à Chapada
Os retalhos de vegetação entrecortados por veiazinhas
reluzentes dos mais diversos tamanhos e, mais adiante, as grandes pedras
achatadas no topo, como imensos bonés antiquados, não deixavam dúvidas. Em minutos
a pequena aeronave pousaria próximo à reserva da Chapada dos Guimarães com seus
poucos tripulantes, entre eles dois jovens – um casal de irmãos.
Pedro Rosa, embora conheça esta geografia muito bem, pois
palmilha cada centímetro dela desde que se recorda por gente, sabe que esta
temporada na Chapada dos Guimarães será diferente. Não serão apenas férias no
sítio do avô. Ele e a irmã, Amanda, desta vez, passarão um período mais longo
por lá – os 18 meses de duração da bolsa de estudos para especialização em Paleontologia Aplicada
de seus pais, os eméritos doutores Jose Heraldo Rosa e Clarice Andrade Rosa, na
Universidade de Dublin, na Irlanda.
Quanto aos seus próprios estudos e os da irmã, já estava
tudo acertado. Eles passariam o ano letivo numa boa escola de Cuiabá, onde
dariam prosseguimento ao segundo grau sem maiores sobressaltos. Não que Pedro
Rosa estivesse preocupado com isso. Embora suas notas fossem de razoáveis a
boas (com alguns “excelentes” no boletim), ele considerava as lições enfadonhas.
E, entre um bocejo e outro, muitas vezes em sala de aula se questionava de si
para si porque o currículo escolar era tão fraquinho, tão superficial... tão
chato!
“- Estamos quase chegando. Você precisa desligar seu aparelho...”.
Amanda, ao mesmo tempo em que avisava o irmão, puxava o headphone dos ouvidos
dele. Pedro olhou irritado, mas Amanda exibia seu sorriso mais angelical e ele
acabou desistindo do palavrão que já se formava nos seus lábios.
“- Okay maninha. Vamos lá. Afinal não estamos num Boeing,
mas neste aviãozinho de 24 lugares e é melhor ficarmos bem eretos para evitar
solavancos”.
Os retalhos de vegetação rapidamente desapareceram e já era
possível ver os telhados vermelhos entre as copas das árvores... As ruas, os
postes, as pracinhas que a chuva lavava quase todos os dias, tão aprazíveis...
E de repente o Aeroporto da Chapada.
A aeromoça que mal podia ficar de pé na pequena aeronave,
deu as instruções de pouso e sentou-se para a aterrissagem. Em meio aos ecoturistas
que visitavam a região em todas as estações do ano – estavam no Outono de 2001
– e alguns homens e mulheres com a inconfundível vestimenta dos executivos,
Pedro e Amanda se sobressaíam por sua juventude evidente. Ele com 17 anos. Ela
com 15.
No desembarque, com um sorriso de orelha a orelha, os
aguardava o senhor Heraldo Rosa Filho, mais conhecido como professor Rosa ou,
para os dois jovens, o Vovô. Os primeiros momentos foram de pura emoção, pois
eles tinham afeto genuíno uns pelos outros. Depois, foi reunir malas e
mochilas, jogá-las na traseira da velha Land Rover e tocar para o sítio.
Vencida a estrada asfaltada, eles tomaram o atalho coberto
de cascalho e, uns 20 minutos depois, cruzavam a porteira da propriedade. À
esquerda, a uns três quilômetros de distancia, Pedro vislumbrou o riacho
correndo, em parte escondido pela vegetação crescida. Na clareira entre o
caminho que levava à casa principal e o riacho, o professor Rosa havia plantado
pequizeiros que aparentavam saúde de arbustos vigorosos. À direita da cancela,
divisava-se o galinheiro, a horta, a estufa e o curral - havia apenas um
garanhão e quatro fêmeas que eram montados pelo professor e seus auxiliares
quando as águas vinham com força.
Lá e cá, como projéteis lançados por um gigante embriagado,
lascas de granito de três, quatro, cinco e até oito metros de diâmetro, que
faziam a alegria dos pássaros, lagartos e também dos homens, que se recostavam
nelas para fumar um cigarro de palha. Havia também o pedregulho à beira do rio, onde todos se reuniam no crepúsculo
para uma moda de viola. Não eram necessários bancos ou quaisquer outros tipos
de assentos, tamanha era a quantidade de pedras que “brotavam” da vegetação. A
toda a volta da região, as pedras maiores, as grandes pedras, se mantinham como
sentinelas.
Na sebe que anunciava a entrada para a casa principal, Pedro
teve um sobressalto, ao divisar um par de olhos redondos e castanhos que
soltavam faíscas em meio ao lusco-fusco. Simultaneamente, o pio alto da
maritaca ecoou pelo planalto... O grito da ave distraiu Pedro por alguns
segundos. Quando olhou de novo para a borla da sebe não percebeu mais nada. O
momento que parecia suspenso no tempo e no espaço esvaneceu-se com o grito de
alegria de dona Regina Rosa, sua avó, que corria em direção à caminhonete,
saudando os netos queridos.
Jana de Paula - Perfil
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