quinta-feira, 4 de julho de 2013

Inveja boa, já ouviu falar?


Por: Jana de Paula
Inveja boa. Este conceito tem batido à minha porta com uma insistência irritante. Alguém conta aos amigos que conseguiu uma bela promoção, mostra fotos de uma viagem de sonhos, confessa que encontrou seu par perfeito, espalha que ganhou uma bolada ou partilha qualquer outra realização que traz prazer, felicidade e bem estar e logo vem uma meia dúzia com a resposta: “Amigo (a) que inveja boa do seu sucesso!”. Como assim?



É, de fato, difícil digerir. Até porque é extrema a coincidência entre aqueles que sentem a tal da inveja boa que também sofram de fome sôfrega pelo emprego do outro, o lazer outro, o amor do outro, o dinheiro do outro... Grassa um surto de curiosidade sobre o que o outro faz com efeitos colaterais incômodos. Um deles é o desejo incontrolável de fazer com que o outro sinta uma inveja boa de si. E, se não é possível que, pelo menos uma vez por dia, cada um do grupo divulgue algo que desperte este nobre sentimento, fica faltando alguma coisa. “Será que vão me considerar um fracassado porque não incito inveja boa em ninguém há mais de 24 horas?”, eles, provavelmente, pensam.

Suponho que fosse assim que se vivia nos estertores do reinado de Luiz XVI (aquele que perdeu sua nobre cabeça na guilhotina). Também imagino que a tal da inveja boa fosse sentimento corrente na mórbida corte de Calígula (é estranho escrever este nome com letra maiúscula, como se me referisse ao nome de algum ‘humano’) ou o seja, ainda, em qualquer sociedade apodrecida.

É claro que eu corro o risco de ser estigmatizada - coitadinha de mim, incapaz de sentir a tal da inveja boa! -, na remota hipótese, é óbvio, de alguém vir a ler estas mal traçadas. Mas, embora tenha instalado na minha delicada goela um triturador de palavras desagradáveis (tanto as que saem como as que entram), estas duas palavras juntas: inveja+boa ficam entaladas de forma infalível.

Em geral, a gente adjetiva com bom ou boa alguma coisa que, de fato, o seja. E inveja, definitivamente, não se insere na listas das Virtudes, estas sim merecedoras dos melhores adjetivos. Inveja é um defeito [São Tomás de Aquino diria que é um pecado gravíssimo]. E como qualquer defeito ou erro é uma deformação da qualidade e da virtude. Daí que absolutamente não existe inveja boa.

O oposto da inveja é a Caridade. Assim, inveja é uma deformação da Caridade (maior prazer em escrever esta palavra com C maiúsculo). Não digo, é claro, que a inveja seja a deformação da Caridade, como se a esta virtude coubesse um oposto em igualdade de força e poder. É, no máximo, o que os calígulas da vida conseguiram como adendo para substituir um conceito, um sentimento que são sumariamente incapazes de sentir. Talvez, ao virem em prática a Caridade, o poder que dela emana e o quanto ela obtém, não importa o peso e a medida adotados, os calígulas sentiram corroer dentro deles a inveja nua e crua. E, para disfarçar esta deformação, sapecaram um belo adjetivo, como os cortesãos pré Revolução Francesa disfarçavam sua incompetência em governar cobrindo-se de ouro da cabeça aos pés.

Até aí, tudo bem. ‘Eles’ que se entendam ou não, como queiram. O que incita a Virtude da Caridade em mim é ver que muita gente merecedora do adjetivo boa, sem saber ao certo onde o galo cantou, repete a frase. Acha elegante! “Ora”, talvez pense a galera gente boa, “é meio brega eu dizer que, ao compartilhar comigo seu momento de verdadeira felicidade, meu amigo ou minha amiga despertou em mim um forte sentimento de amizade, simpatia e autosatisfação e eu fiquei pleno ou plena de Caridade”.



O que? Trata-se de uma questão de limite de caracteres e inveja boa é uma frase muito mais curta que todo este discurso sobre as Virtudes? Touchée! Hoje em dia isto faz todo o sentido. É preciso ser conciso para se fazer entender. Eu, de minha parte, quando me deparo com este sério dilema de limite de caracteres (o que para mim, de fato, é um dilema, prolixa que sou), dou os meus antiquados parabéns (são só três caracteres a mais) e fico satisfeita. Espero que o objeto do meu afeto também o fique, pois, sou brega o suficiente para dizer em bom som: “é de todo o coração”. 

Jana de Paula - Perfil

Nenhum comentário:

Postar um comentário