terça-feira, 2 de setembro de 2014

Famílias Tóxicas


Por Surá Lillo *

Foto: http://www.huffingtonpost.com/
Uma das coisas mais difíceis na Psicoterapia é integrar toda a dor que nossos próprios familiares nos propiciam, sobretudo quando somos crianças.

Os aspectos culposos e vergonhosos do ser humano se gestam dentro do núcleo familiar; para uma criança vítima de maus tratos ou abusos por parte de seus familiares, isto é um drama que se articula numa multidão de conflitos, ao lado da impotência de se defender e, também, essa necessidade de amor que não pode ser suprida pelas figuras mais importantes para a criança, ou seja, seu pai, sua mãe e, às vezes, os irmãos.

O grande dilema que esta situação gera é a quantidade de raiva e ressentimento que aninham na psique da criança, se vendo obrigada a gostar de seus pais e familiares que os molestam,  apesar dos  abusos ou maus tratos.

Frases como “família só há uma”, “como a família não existe nada” etc., nos levam a crer erroneamente que devemos amar a nossos carrascos. Mas, como pode uma menina amar seu pai, se este abusou sexualmente dela?

A ideia da família perfeita é apenas uma quimera.

Socialmente somos educados a honrar nossos pais, a gostar deles apesar de tudo, mas, quem defende a dignidade a criança?

Crescer num ambiente familiar violento, disfuncional se paga muito caro, pois na idade adulta este aspecto da psique, o Arquétipo do menino-menina ferido nos acompanha ao longo de nossa. Quando este arquétipo está ativos o adulto reage emocionalmente como uma criança, conectando-se com esse desamparo e abandono sofridos na mais tenra infância.

O arquétipo do menino [a] ferido [a] está presente em muitos adultos que de forma inconsciente arrastam esta do às costas. A falta de amor, de reconhecimento que a criança vivencia, ficou gravado em sua psique e só com um processo terapêutico continuado se pode integrar essa terrível ferida na psique.

O estigma deste arquétipo é o medo, a insegurança, o sentimento de abandono, a falta de auto-estima. A manifestação deste arquétipo se articula em doenças relacionadas com o aparelho digestivo, boca (dentes), vícios, bulimia-anorexia, depressão, ansiedade ... bem como em relações baseadas na dependência afetiva.
O arquétipo do menino [a] ferido [a] seria a ponta do iceberg, pois de analisamos o clã familiar, a estrutura que conforma a história de nossos ancestrais, podemos vislumbrar que  a dor não é um ato casual, mas, ao contrário, forma parte de nossa novela familiar, quer gostemos ou não.

Inconsciente Familiar

Para poder compreender e integrar a  realidade familiar dolorosa, temos que ampliar nosso campo de visão. Porque somos o elo de uma cadeia, formamos parte de um clã, onde a dor é como uma testemunha que passa, inexoravelmente de geração em geração.

Do ponto de vista transgeracional (inconsciente familiar) como integrantes de um clã, herdamos aspecto físico, caráter e também herdamos os conflitos não resolvidos de nossos antepassados,  vítimas de vítimas.
Ancelin Schützenber  psicanalista, analista de grupo – uma das primeiras terapeutas que utilizou o psicodrama de Moreno na França – e professora emérita de psicologia na universidade de Nice, em seu livro "Ai, meus ancestrais!", manifesta o modo como herdamos os conflitos, os traumas não curados de nossos ancestrais.

“Somos menos livres do que cremos", diz Anne Ancelin, "mas temos a possibilidade de conquistar nossa liberdade e de sair do destino repetitivo de nossa história se compreendemos os complexos vínculos que foram tecidos em nossa família”.

Assim, repetir os mesmos feitos, datas ou idades que conformaram o drama familiar de nossos ancestrais é, para nós, a maneira de honrá-los e de lhes ser leais.

Quando vivemos situações traumáticas dentro da família, em muitas ocasiões, são os fios invisíveis “inconsciente” que se manifestam dentro do clã, não são fatos “soltos” desconexos, mas, ao contrário, estão conectados com a historia familiar.

Uma criança mal tratada não surge do nada, na maioria dos casos seus próprios pais sofreram abuso e situações dolorosas da parte de seus próprios pais, por exemplo.

Na psicoterapia, é muito comum encontrar pessoas que sofrem as consequências de  ambientes familiares disfuncionais com uma grande carga de dor e de trauma psíquico.

É um erro comum em muitos enfoques terapêuticos levar o paciente a “perdoar”, ato muito nobre, é claro, mais que de pouco serve. Enfocar o conflito desde seu prisma sem haver  liberado, antes, a dor e o ressentimento, sem haver compreendido todo o quadro familiar de onde provimos é um ato estéril do ponto de vista terapêutico.

Anne Miller em sua obra “O corpo não mente” manifesta de que forma esta dupla moral “amarás teu pai e tua mãe” cria na pessoa uma dupla confusão da qual é difícil escapar. Ser “bons” acima de tudo, engolir qualquer tipo de humilhação proveniente de nossos pais e familiares é visto como um ato estóico, mas não nos confundamos, o sacrifício e a humilhação por que temos que passar não nos levará a curar, muito pelo contrário. Aceitar a própria verdade dolorosa dentro do sistema familiar dói, mas negá-la é ainda pior, pois tudo o que se reprime se imprime no inconsciente e se falamos de famílias, estas tampouco escapam da sombra.

Em nosso clã existe uma novela, um drama particular do qual todos os integrantes participam. A sombra na família não é prato predileto para ninguém, mas pero em todas as famílias “se cozinham feijões”.

Em datas comemorativas como os  “aniversários”, muitas pessoas vivem o conflito de ter que se reunir com a “família tóxica”, ou seja, com as pessoas que mais as fizeram sofrer um sua vida.

Nos aniversários há os doces, mas também é o tempo da hipocrisia e do silêncio contido, dos não-ditos, do julgamento, da culpa… Por isso, quanto nos aproximamos destas datas, nossos pulmões entram em colapso, não porque “pegamos um resfriado”, mas porque vivemos um ataque frontal em nosso território ou porque o ambiente está contaminado com o polvilho de assuntos não resolvidos, entre os integrantes da família.

A família perfeita e unida 'vende', mas por desgraça isso não é realidade; através dos meios de comunicação somos contaminados com estas imagens de perfeição que apenas nos levam à frustração, pois não nos vemos refletidos nelas, muito pelo contrário.

Se estamos imersos na dinâmica de uma “família tóxica”, primeiramente devemos aceitar que isso é assim, quer nos agrade ou não.  Muitas vezes é necessário prescrever um distanciamento de nossa própria família para poder viver com um pouco de paz, posto que o foco de conflito se encontra em seu seio e entrar em contato com as pessoas e situações conflituosas pode nos levar a vivenciar de vez em quando, as situações dolorosas.

Nesses casos, o trabalho terapêutico é muito recomendável, pois é no marco terapêutico onde estes vínculos tóxicos e complexos podem ser vistos, sentidos ou pressentidos, já que fora do contexto terapêutico são temas de que não se fala, pela grande dor que acarretam, porque são temas que envergonham, dolorosos, que muitos preferem esconder.

Afortunadamente, devido ao trabalho de pesquisa de muitos analistas e pesquisadores da psique humana podemos hoje em dia ajustar estes vínculos e nossos desejos, para que nossa vida esteja à altura do que desejamos, daquilo que profundamente ansiamos e necessitamos (e não o que se espera de nós) para poder SER.

Aceitar a natureza dual da vida é todo um trabalho de transformação que começa por nós mesmos e o lugar que ocupamos dentro de nossas famílias.

Nos agrade ou não, a vida dói, a família dói, mas o sofrimento, este emerge da negação e repressão da dor, depende de você encarar a vida de frente e se dignificar como pessoa, a sós se for necessário.

A verdadeira cura e transformação da alma nasce de enfrentar  y reconhecer nossa sombra. Depois? …Depois não há mais nada.

* Psicoterapeuta con Obsidiana (SITO) na Psicosomática Clínica (BIONEUROEMOCION)




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