Por Surá Lillo *
Foto: http://www.huffingtonpost.com/ |
Uma das
coisas mais difíceis na Psicoterapia é integrar toda a dor que nossos próprios
familiares nos propiciam, sobretudo quando somos crianças.
Os
aspectos culposos e vergonhosos do ser humano se gestam dentro do núcleo
familiar; para uma criança vítima de maus tratos ou abusos por parte de seus
familiares, isto é um drama que se articula numa multidão de conflitos, ao lado
da impotência de se defender e, também, essa necessidade de amor que não pode
ser suprida pelas figuras mais importantes para a criança, ou seja, seu pai,
sua mãe e, às vezes, os irmãos.
O grande
dilema que esta situação gera é a quantidade de raiva e ressentimento que
aninham na psique da criança, se vendo obrigada a gostar de seus pais e
familiares que os molestam, apesar dos
abusos ou maus tratos.
Frases
como “família só há uma”, “como a família não existe nada” etc., nos levam a crer
erroneamente que devemos amar a nossos carrascos. Mas, como pode uma menina amar
seu pai, se este abusou sexualmente dela?
A ideia
da família perfeita é apenas uma quimera.
Socialmente
somos educados a honrar nossos pais, a gostar deles apesar de tudo, mas, quem
defende a dignidade a criança?
Crescer num
ambiente familiar violento, disfuncional se paga muito caro, pois na idade
adulta este aspecto da psique, o Arquétipo do menino-menina ferido nos
acompanha ao longo de nossa. Quando este arquétipo está ativos o adulto reage
emocionalmente como uma criança, conectando-se com esse desamparo e abandono sofridos
na mais tenra infância.
O arquétipo
do menino [a] ferido [a] está presente em muitos adultos que de forma
inconsciente arrastam esta do às costas. A falta de amor, de reconhecimento que
a criança vivencia, ficou gravado em sua psique e só com um processo terapêutico
continuado se pode integrar essa terrível ferida na psique.
O
estigma deste arquétipo é o medo, a insegurança, o sentimento de abandono, a
falta de auto-estima. A manifestação deste arquétipo se articula em doenças
relacionadas com o aparelho digestivo, boca (dentes), vícios, bulimia-anorexia,
depressão, ansiedade ... bem como em relações baseadas na dependência afetiva.
O arquétipo
do menino [a] ferido [a] seria a ponta do iceberg, pois de analisamos o clã
familiar, a estrutura que conforma a história de nossos ancestrais, podemos vislumbrar
que a dor não é um ato casual, mas,
ao contrário, forma parte de nossa novela familiar, quer gostemos ou não.
Inconsciente Familiar
Para
poder compreender e integrar a realidade familiar dolorosa, temos que ampliar
nosso campo de visão. Porque somos o elo de uma cadeia, formamos parte de um clã,
onde a dor é como uma testemunha que passa, inexoravelmente de geração em
geração.
Do ponto
de vista transgeracional (inconsciente familiar) como integrantes de um clã,
herdamos aspecto físico, caráter e também herdamos os conflitos não resolvidos
de nossos antepassados, vítimas de vítimas.
Ancelin
Schützenber psicanalista, analista de grupo – uma das primeiras
terapeutas que utilizou o psicodrama de Moreno na França – e professora emérita
de psicologia na universidade de Nice, em seu livro "Ai, meus
ancestrais!", manifesta o modo como herdamos os conflitos, os traumas não
curados de nossos ancestrais.
“Somos menos livres do
que cremos", diz Anne Ancelin, "mas temos a possibilidade de
conquistar nossa liberdade e de sair do destino repetitivo de nossa história se
compreendemos os complexos vínculos que foram tecidos em nossa família”.
Assim,
repetir os mesmos feitos, datas ou idades que conformaram o drama familiar de nossos
ancestrais é, para nós, a maneira de honrá-los e de lhes ser leais.
Quando
vivemos situações traumáticas dentro da família, em muitas ocasiões, são os fios
invisíveis “inconsciente” que se manifestam dentro do clã, não são fatos “soltos”
desconexos, mas, ao contrário, estão conectados com a historia familiar.
Uma
criança mal tratada não surge do nada, na maioria dos casos seus próprios pais
sofreram abuso e situações dolorosas da parte de seus próprios pais, por
exemplo.
Na
psicoterapia, é muito comum encontrar pessoas que sofrem as consequências de ambientes familiares disfuncionais com uma
grande carga de dor e de trauma psíquico.
É um
erro comum em muitos enfoques terapêuticos levar o paciente a “perdoar”, ato muito
nobre, é claro, mais que de pouco serve. Enfocar o conflito desde seu prisma
sem haver liberado, antes, a dor e o
ressentimento, sem haver compreendido todo o quadro familiar de onde provimos é
um ato estéril do ponto de vista terapêutico.
Anne
Miller em sua obra “O corpo não mente” manifesta de que forma esta dupla moral
“amarás teu pai e tua mãe” cria na pessoa uma dupla confusão da qual é difícil
escapar. Ser “bons” acima de tudo, engolir qualquer tipo de humilhação
proveniente de nossos pais e familiares é visto como um ato estóico, mas não nos
confundamos, o sacrifício e a humilhação por que temos que passar não nos
levará a curar, muito pelo contrário. Aceitar a própria verdade dolorosa dentro
do sistema familiar dói, mas negá-la é ainda pior, pois tudo o que se reprime
se imprime no inconsciente e se falamos de famílias, estas tampouco escapam da
sombra.
Em nosso
clã existe uma novela, um drama particular do qual todos os integrantes
participam. A sombra na família não é prato predileto para ninguém, mas pero em
todas as famílias “se cozinham feijões”.
Em datas
comemorativas como os “aniversários”,
muitas pessoas vivem o conflito de ter que se reunir com a “família tóxica”, ou
seja, com as pessoas que mais as fizeram sofrer um sua vida.
Nos
aniversários há os doces, mas também é o tempo da hipocrisia e do silêncio
contido, dos não-ditos, do julgamento, da culpa… Por isso, quanto nos
aproximamos destas datas, nossos pulmões entram em colapso, não porque “pegamos
um resfriado”, mas porque vivemos um ataque frontal em nosso território ou
porque o ambiente está contaminado com o polvilho de assuntos não resolvidos,
entre os integrantes da família.
A família
perfeita e unida 'vende', mas por desgraça isso não é realidade; através dos
meios de comunicação somos contaminados com estas imagens de perfeição que apenas
nos levam à frustração, pois não nos vemos refletidos nelas, muito pelo
contrário.
Se
estamos imersos na dinâmica de uma “família tóxica”, primeiramente devemos aceitar
que isso é assim, quer nos agrade ou não. Muitas vezes é necessário prescrever
um distanciamento de nossa própria família para poder viver com um pouco de
paz, posto que o foco de conflito se encontra em seu seio e entrar em contato
com as pessoas e situações conflituosas pode nos levar a vivenciar de vez em
quando, as situações dolorosas.
Nesses
casos, o trabalho terapêutico é muito recomendável, pois é no marco terapêutico
onde estes vínculos tóxicos e complexos podem ser vistos, sentidos ou pressentidos,
já que fora do contexto terapêutico são temas de que não se fala, pela grande
dor que acarretam, porque são temas que envergonham, dolorosos, que muitos preferem
esconder.
Afortunadamente,
devido ao trabalho de pesquisa de muitos analistas e pesquisadores da psique
humana podemos hoje em dia ajustar estes vínculos e nossos desejos, para que
nossa vida esteja à altura do que desejamos, daquilo que profundamente ansiamos
e necessitamos (e não o que se espera de nós) para poder SER.
Aceitar a
natureza dual da vida é todo um trabalho de transformação que começa por nós
mesmos e o lugar que ocupamos dentro de nossas famílias.
Nos
agrade ou não, a vida dói, a família dói, mas o sofrimento, este emerge da
negação e repressão da dor, depende de você encarar a vida de frente e se
dignificar como pessoa, a sós se for necessário.
A
verdadeira cura e transformação da alma nasce de enfrentar y reconhecer nossa
sombra. Depois? …Depois não há mais nada.
* Psicoterapeuta con
Obsidiana (SITO) na Psicosomática Clínica (BIONEUROEMOCION)
Fonte: www.mujerdespierta.es
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